MARCOS PERES FALA COM A PLURIVERSO
Luigi Ricciardi
Equipe Pluriverso
Um dos pilares da nova literatura brasileira contemporânea e
desconhecido até a conquista do Prêmio Sesc de Literatura de 2013 (com
seu polêmico romance O evangelho
segundo Hitler), Marcos Peres é oriundo da cena literária de uma cidade que
até pouco tempo não respirava tão fortemente ares literários e via seus poucos
escritores perdidos no tempo e à margem do mercado. Contrariando as
expectativas, o autor maringaense lançou seu segundo livro, o romance Que fim levou Juliana Klein? que
saiu pela Record em 2015. A Pluriverso traz uma conversa de Marcos Peres com
Luigi Ricciardi sobre literatura, futebol e outras coisas.
[Ricciardi] Em outras tantas entrevistas, você disse que
muita gente nem sabia que você escrevia, inclusive a tua própria família.
Agora, com reconhecimento nacional, com prêmios ganhos e dois romances publicados (um
terceiro saindo), você acha que as pessoas já te
olham como escritor, ou você ainda é somente aquele Marcos, diplomado em
direito e funcionário público?
[Peres] Acho que por ser um pouco
lúdico, um pouco diferente do labor advindo de faculdades, diplomas, sou
reconhecido como escritor. No entanto, confesso que reluto a me olhar dessa
maneira. Em prontuários médicos e formulários de hotel, preencho o campo profissão
como servidor público. Costumo dizer que o serviço público é profissão e a
literatura é paixão.
[Ricciardi] Como funciona a relação com o
público leitor? As pessoas te procuram nas redes sociais? Se o fazem, elas te
criticam, elogiam, tietam?
[Peres] Minha relação é ótima. A rede social, nesse
sentido, é uma coisa mágica. O leitor de ontem tinha de se contentar com as
informações da contracapa, da mini bio do
autor. O leitor de hoje não apenas quer mais informações; ele quer adicionar
seu autor no facebook e dizer que
gostou (ou que odiou) a obra. Pelo prisma do autor, o Google traz um feedback atualizadíssimo: no meu caso,
não só da obra, mas de pessoas que viram a capa, vermelha, a suástica...
costumo reproduzir em minha rede social reações de pessoas que viram o
Evangelho pela primeira vez, sem saber que era uma obra de ficção. É sempre uma
reação engraçada.
[Ricciardi] Muito se falou da tua relação com a obra de
Jorge Luís Borges e Umberto Eco, dois escritores quem moldaram ou ao menos influenciaram
um grande número de escritores mundo afora. Além desses dois há algum outro que
te levou ao caminho da escrita?
[Peres] Em diferentes pontos, de diferentes maneiras,
autores de formação funcionaram como cantos de sereia para o mundo ideal dos livros.
Lembro-me de ler com 12, 13 anos as aventuras policiais de João Carlos Marinho,
totalmente impressionado. Um pouco mais tarde, lembro-me de como fiquei
atordoado com a leitura de Capitães de Areia, de Jorge Amado. Era um livro
sobre jovens, em busca de suas identidades, de suas vocações. Lembro-me ainda
da história do personagem Professor, que era o Capitão de areia ligado às artes. Eu tinha 16 anos, sentia aquele
fervor nascer dentro de mim, também, um fervor nascente e irreversível.
Lembro-me também de quando li A hora e
vez de Augusto Matraga pela primeira vez, em um ônibus de Astorga para
Maringá – naquele momento o conto era apenas cumprimento do conteúdo
programático do vestibular da UEL. Mas ainda hoje – passados mais de 15 anos –
repito a máxima do protagonista do conto: “todo
mundo tem sua hora, todo mundo tem sua vez,
e pro céu eu vou, nem que seja a
porrete”. Todos estes mestres foram importantes na minha formação de leitor e,
consequentemente, na formação da visão que tenho do mundo, na formação do
servidor público que brinca de escrever.
[Ricciardi] A partir de que momento na vida você percebeu
que tinha certa facilidade ou habilidade com as palavras e que você poderia
escrever histórias?
[Peres] Acho que compreendi,
primeiro, que algumas dúvidas insistiam em ficar na cabeça. Escrever, percebi,
era a maneira de tirá-las da mente.
[Ricciardi] Por mais que se fale que o brasileiro não lê, o
que vemos é um número crescente de autores e editoras brigando por um espaço
mercado editorial. Há inclusive editoras menores vendendo um bom número de
exemplares e sendo indicadas para prêmios nacionais e internacionais. Como você
vê essa relação da literatura com o mercado atual?
[Peres] Acredito que a diferença
está, principalmente, nas mãos de quem coordena a editora menor. A editora de
pequeno porte pode fazer um trabalho que os conglomerados editoriais não
conseguem: garimpar novos autores, separar o joio do trigo, fazer apostas mais
arriscadas, ditar, de certo modo, o que vai se tornar a vanguarda da
literatura. Os grandes grupos, por mais que reúnam boa vontade, têm agendas,
pressões. Por tudo isso, seu cronograma de lançamentos mira apostas mais
certeiras, escritores com obras consolidadas (ou, como no meu caso, o
compromisso com um concurso já assinado). A editora menor, portanto, cumpre com
o papel de garimpo. Um papel fundamental na renovação da literatura brasileira.
[Ricciardi] Entre as obras dos escritores contemporâneos,
quais aquelas que mais te chamam a atenção?
[Peres] Gosto muito da escrita e da
postura de escritor do João Anzanello Carrascoza. Gosto também do Sérgio
Rodrigues, do Ondjaki, do José Luiz Passos.
[Ricciardi] O teu primeiro livro transformou a tua vida. De
um dia para o outro, como você mesmo diz, passou de um funcionário com tímidas
ambições literárias para um autor “com um livro cuja capa é ilustrada por uma
suástica que divide espaço com um título tendo ‘evangelho’ no nome”. Isso ainda
assusta as pessoas? Assusta você?
[Peres] Foi assustador, no começo.
Não havia procurado editoras menores justamente por medo de me expor, talvez de
me frustrar. Mandar o original para o prêmio Sesc significava, para mim, um
acerto de contas; de alguma forma, eu não estava deixando o sonho morrer.
Depois do prêmio, fiz um prefácio, que tentava justificar não o livro, mas o
autor. Hoje eu me arrependo, tiraria aquele prefácio. O livro deve falar por si
só, e pronto. Algumas livrarias não
quiseram deixar o livro exposto pela suástica, pelo nome, pelo medo da reação
das pessoas. Houve uma grande loja de vendas de livro na internet que se
recusou a anunciar uma promoção do romance por medo de apologia. O título, eu
percebi depois, assustou não apenas leigos, mas também pessoas que deveriam
reconhecer e vender a força da ficção. Isso, sim, foi uma pena.
[Ricciardi] Como você se posiciona em relação ao termo
“Gripe Borgiária”, inventado por Alcir Pécora, em uma crítica pesada do
“Evangelho” para falar da influência do escritor argentino na literatura
contemporânea?
[Peres] Aqui o escritor fica naquela
situação tênue, naquele limite indelicado de se voltar contra uma crítica. Sou
bem resolvido com críticas, acho. Hoje sou muito amigo de um jornalista que
disse, no Rascunho, que certo trecho do Evangelho era meloso, parecido com
novela mexicana. (o trecho em questão falava da parte que Borges diz para
Raquel para fugirem para o Brasil, para passarem, assim, o resto de seus dias
vivendo de amor e lendo livros de Jorge Amado. Ficou meloso, eu reconheço: mas
foi a única – e proposital – menção ao Brasil, em um livro de argentinos,
alemães e suíços.) O Pécora me colocou
como um fruto tardio do Dan Brown. Não concordo, por dois pontos: a trama
rocambolesca é justamente uma crítica ao Dan Brown e 2. Minha conta bancária
não é nada parecida com a do autor de Código Da Vinci. Ou seja: Pécora me
imputou o ônus, mas não o bônus de ser um Dan Brown. Eu aceitaria apenas o
pacote completo. É claro, respeito, não só o Pécora, mas qualquer crítica. E
acho que ele não foi tão pesado assim, o Flauzino é mais ácido que o Alcir
Pécora.
[Ricciardi] Durante muito tempo houve uma separação nítida
entre “alta” e “baixa” literária, sendo o primeiro termo relacionado com os
cânones estudados na academia e o segundo com a literatura de massa, sobretudo
os best sellers. Hoje em dia essa divisão estanque parece estar diminuindo cada vez
mais. Você tem influência da tal “alta” literatura, mas teu livro é um best
seller. Como você se posiciona em relação a isso?
[Peres] À época do Salão de Paris,
quando o Brasil foi homenageado, perguntaram para um livreiro francês, Michel
Chandeigne, o que faltava para a literatura brasileira engrenar nas traduções.
O francês respondeu que faltava uma estrela, capaz de reunir expressivo número
de vendas e prestígio como literato – um papel que foi desempenhado por Jorge
Amado, no passado. Ele menciona ainda que o papel, na lusofonia, é desempenhado
atualmente por Mia Couto. A distinção de “alta literatura” e “best sellers” não
é boa para ninguém: todos saem estigmatizados, pichados. “Se é bom, é porque é
ruim”, diz, de um lado, uma máxima detratora dos que atingem os mais populares.
De outro, virtuosidade e bom gosto ficam inacessíveis, com pouca leitura, pouca
discussão, com ecos quase inexistentes. Se olharmos para a história recente da
Literatura, perceberemos que os modelos de sucesso são aqueles que uniram apelo
popular e qualidade. Gabriel Garcia Márquez e Saramago foram modelos desta
reunião, algo que vemos, hoje, guardadas as devidas proporções, em Mia Couto e
Murakami.
[Ricciardi] Um dos gêneros mais procurados pelos leitores
atualmente é o romance autoficcional, uma procura muitas vezes motivada pela
curiosidade em relação à figura do autor, e uma vontade de encontrar o autor
impresso em um personagem. Os autores, compreendendo essa busca, passaram a
escrever cada vez mais romances onde a linha entre ficção e realidade se torna
cada vez mais tênue. Porém, em 2013, em artigo publicado no jornal O Globo,
Daniel Galera se posicionou contra a autoficção, cunhada por ele como uma
“tendência passageira”. Você concorda com ele? Escreveria um livro
autoficcional?
[Peres] Acho que um fenômeno como
Knausgaard trará seguidores, um número maior de escritores que escreverão sobre
a própria trajetória. Neste ponto, é notório que gênero autoficcional está em
alta. Mas discordo que seja uma “tendência passageira” e que, daqui um tempo,
inexistirá por completo. Creio que, independentemente de como a narrativa seja
contada, por maiores ou menores véus de ficcionalidade, a vivência será sempre
uma importante fonte de enredos para os escritores. Não sei se escreveria um
livro autoficcional, mas, em tudo o que escrevo, há detalhes, pequenos excertos
de diálogos e observações que advém da realidade.
[Ricciardi] Tomando carona na curiosidade do público
leitor em relação ao escritor: como é o Marcos Peres do dia a dia? Além da
literatura, você tem alguma paixão à qual se dedica?
[Peres] Gosto muito de praticar
exercícios. O Parque do Ingá é um local que costumo ir, para pedalar ou correr,
para escutar música, para pensar em minha vida, em possíveis enredos. Gosto de
jogar futebol, de comer em um bom restaurante (ou em um bom dogão).
[Ricciardi] No seu perfil do facebook, muitas vezes
vemos comentários em relação a futebol, esporte pelo qual parece ser
apaixonado. Já pensou em inserir o futebol em algum texto?
[Peres] Sou são-paulino, e, apesar
de não ter ocorrido nos últimos anos, já comemorei títulos do meu time na
Tiradentes (Avenida do centro de Maringá). O futebol é um esporte apaixonante e
que, por isso, além de êxtases, já me causou algumas dores e tristezas – além
de duas cirurgias, uma no joelho, outra no ombro. Admiro literatura que
consegue aliar o esporte, mas, sinceramente, não sei se tenho habilidade para
produzir algo neste sentido. O Drible, do Sérgio Rodrigues é fantástico, um
grande romance em que o futebol é protagonista. Recomendadíssimo. Um golaço.
[Ricciardi] Sobre o romance mais recente, Que fim levou Juliana Klein?, de onde você tirou o mote? Acha que você avança um passo em relação ao
romance anterior? O que mudou e o que ficou na sua escrita e na sua visão
literária entre um romance e outro?
[Peres] Uma mudança natural foi a
vivência do autor. Escrevi o Evangelho com 23 anos, de lá para cá li um bocado
de coisas novas, acho que muito sairia diferente, se o primeiro livro fosse
escrito hoje. Por outro lado, para escrever o segundo romance, não houve
pressão de editores, de colegas, nada. Quando comecei a escrever Que fim levou Juliana Klein?, não tinha
muita noção do que resultado eu poderia obter, por isso optei por não
apresentar à editora minhas intenções logo no início; só mostrei quando percebi
que tinha algo concreto, um trabalho que poderia dar frutos. E, ainda neste
sentido, sempre recordo uma frase que escutei do Miguel Sanches Neto: o autor
pode ser tudo, menos covarde. Se, no momento em que começa a escrever, o
escritor pensa nas repreensões, nas possíveis críticas, nos possíveis colegas
ou familiares que reprovariam o texto, o escrito sai acovardado, podado. É uma
máxima valiosa, que tento sempre me lembrar.
[Ricciardi] Já tem algum outro romance em mente? Seguiria o
mesmo estilo impresso nas obras anteriores? Por que continuar escrevendo?
[Peres] Se fosse apostar minhas
fichas hoje, apostaria em uma outra aventura do delegado Irineu de Freitas.
Mas, claro, sempre pode surgir uma ideia maluca enquanto se caminha no Parque
do Ingá e pedir licença para virar realidade.
[Ricciardi] O que podemos esperar literariamente de Marcos
Peres para os próximos anos?
[Peres] Acho que o Marcos estará
envolto no mistério de Juliana Klein por um bom tempo. E acho, principalmente,
que Maringá será um celeiro de grandes ficções nos próximos anos. Estou já na
expectativa dos livros do Luigi Ricciardi, do Nelson Alexandre, da Bruna Siena.
Podemos esperar muito dos escritores de Maringá, com toda a certeza.
MIGUEL SANCHES
NETO, HISTÓRIA E FICÇÃO
Marco Hruschka
Equipe Pluriverso
Miguel Sanches
Neto é natural de Bela Vista do Paraíso, interior do Paraná. É autor de seis
romances, além de livros infanto-juvenis, contos e ensaios. É Doutor em Teoria
Literária pela Unicamp e atua como professor do curso de Letras da Universidade
Estadual de Ponta Grossa. Tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente em Ponta
Grossa, durante o CIEL (I Congresso Internacional de Estudos em Linguagem), no
qual ele palestrou sobre Culturas e Identidades, ressaltando a obra de Lima
Barreto. Além de ganhar o autógrafo no livro “A Segunda Pátria”, fizemos uma
foto juntos e batemos um papo sobre literatura. Com vocês, um pouco mais sobre
Miguel Sanches Neto. A entrevista foi cedida em 2015.
Marco: Miguel, no seu livro “A
segunda pátria”, na página 187 você afirma que “A história pode ser modificada
com um pequeno gesto pessoal”. Retirando essa citação do seu contexto
específico na obra, pode-se dizer que ela resume a intenção geral do romance,
ou seja, a de modificar a história do Brasil, ou de propor uma reflexão sobre o
que poderia ter sido, a partir da criação de uma ficção?
Miguel: Esta é, digamos, a tese estrutural do romance alternativo. Produzir
modificações para compreender melhor os caminhos possíveis de uma época. Com
isso, podemos desnaturalizar certos procedimentos. No caso específico do
romance, eu tento mostrar que a propalada pacificidade do brasileiro é uma
falácia. Estivemos a um passo da grande crueldade que foi o holocausto.
Logicamente, as forças democráticas, próprias de uma cultura de integração
étnica, venceram, mas sofremos um deslumbramento pelo nazismo que não pode ser
falseado.
Marco: No CIEL, evento realizado em
Ponta Grossa em junho de 2015, você discursou sobre a obra de Lima Barreto a
partir de uma releitura do autor, o que, segundo a sua fala, te possibilitou
enxergá-lo como o maior escritor do Rio de Janeiro devido a sua inovação no
âmbito da linguagem literária. Ao ler “A segunda pátria”, percebe-se muitas
características em comum entre Adolfo Ventura e Lima Barreto, sobretudo a
partir de seu personagem Isaías Caminha, seu alter-ego, jovem negro propenso
aos estudos, amante dos livros. O escritor carioca serviu de inspiração para a
criação do personagem do teu romance?
Miguel: Na hora de criar o personagem Adolpho Ventura pensei em vários casos
de negros e mulatos da história nacional que aderiram à cultura branca. Esta foi
uma tradição no Brasil mesmo depois da libertação dos escravos. Machado de
Assis se via como um ariano. Os engenheiros Rebouças foram negros geniais, a
serviço de uma elite branca. Cruz e Sousa deixa de fazer uma literatura mais
reivindicativa do ponto de vista étnico para se tornar um poeta simbolista,
obcecado pela cor branca. Meu personagem então nasce desta tradição
sociológica. Adolpho poderia ser uma pequena réplica da trajetória de sucesso
social de Machado de Assis, a partir do apagamento de sua identidade, mas o
crescimento absurdo do nazismo o devolve à sua pátria primeira. Neste momento
ele se aproxima de Lima Barreto, que escavou as suas origens e escancarou a
discriminação no Brasil.
Marco: A partir da leitura do
romance “A segunda pátria”, sua última obra publicada, percebe-se que a poesia
passeia solta em algumas passagens. Há, sem dúvida, alguns momentos poéticos.
Qual a sua relação com a poesia? Você a utiliza como “técnica narrativa”,
criando imagens inesperadas, ou ela surge naturalmente do também poeta Miguel?
Miguel: Eu penso o romance como uma espécie de resumo de todos os gêneros
literários. Então, é imprescindível que nele se manifestem elementos poéticos,
não propriamente no formato de poemas. Mas a literatura de ficção que me interessa
não está dissociada do olhar lírico, da construção de uma percepção
extremamente comovida do ser humano. Pelo romance, a poesia chega hoje a
públicos mais amplos. A música popular, algumas décadas atrás, cumpriu este
papel de levar poesia a públicos transliterários. Agora, no entanto, a música
contemporânea de sucesso é um verdadeiro lixo literário. Cabe então ao romance,
ainda com público aberto, tentar manter o verbo poético em permanente ebulição.
Marco: Você possui alguns livros de
contos publicados, como “Hóspede secreto”, “Contos para ler ouvindo música” e
“Contos para ler em viagem”, sobretudo no começo da carreira. Em qual gênero
você acha que a verdadeira voz do Miguel Sanches Neto se encontra?
Miguel: Como dizia o Paulo Leminski, eu pratico todos os gêneros
provincianos. Sou poeta em atividade, cronista, contista (sai em breve uma
coletânea de contos pela Companhia da Letras), também escrevo diários,
aforismos e ensaios. No romance, acredito poder conjugar todas estas facetas,
buscando um formato que solde minhas várias identidades literárias.
Marco: Sobre a ambientação dos
contos e romances, você demonstra uma preferência por cidades reais, no
interior do Paraná e de Santa Catarina, em contrapartida a outros escritores
que preferem criar espaços imaginários. Qual o efeito que isso causa no leitor?
Miguel: O efeito que eu gostaria que isso causasse é de ampliação da
percepção do real. Nas minhas locações literárias, o que importa não é a
fidelidade geográfica, mas justamente as interferências ficcionais que faço
nelas. Para dar um exemplo. Em um conto (“O herdeiro”) de Hóspede
secreto (2002), há uma imensa valeta no cento de Peabiru, na avenida
principal. Isso é pura invenção minha. Nunca existiu esta voçoroca. Como eram
comuns na zona rural, eu desloquei uma delas para o coração da cidade. E ela
vale ali como símbolo, não como documento. É assim que localizo meus contos em
espaços muitos definidos, mas ao mesmo tempo completamente inventados. A minha
realidade é sempre mentida.
Marco: A partir de uma visão geral
de sua obra, pode-se dizer que seus livros podem se encaixar, dependendo da
análise, em correntes literárias tais como “Autoficção” (Chove sobre minha
infância), “Romance histórico” (A máquina de madeira e Um amor anarquista) e
“Metaficção historiográfica” (A segunda pátria). Por que o interesse pela
problemática história, seja a do Brasil, a reinventada ou a psicológica é tão
recorrente em seus livros? Visto que escritores como Marcos Peres (O Evangelho
segundo Hitler) e Domingos Pellegrini (Terra vermelha), ambos paranaenses,
também se valem de eventos ou personagens históricos para criarem seus
romances, você acha que essa é uma tendência na literatura brasileira do século
XXI?
Miguel: Esta é uma vertente muito importante na literatura contemporânea
universal. No Brasil, temos um material vasto para explorar. Tudo está por ser
escrito aqui porque nossa literatura descuidou da história e da política
nacionais. Então, este é um terreno virgem. Para ajudar, somos um país em que a
história é absurda, propícia para a ficção. É um privilégio imaginativo ser
ficcionista no Brasil.
Marco: Miguel, sabe-se que, como
professor de literatura e crítico literário, você lê muito. Quais são os
autores que você mais gosta e que mais te influenciam na arte de escrever?
Miguel: Uma biblioteca inteira, autores que venho lendo desde os 14 anos,
quando começou em mim o desejo de ler e escrever. Não confio em escritores que
não sejam grandes leitores. Não confio em romancistas que não tenham escrito
alguns contos memoráveis. Não confio em autores que acham que para escrever é
preciso apenas escrever. Para escrever é preciso antes de tudo devotar uma vida
inteira aos livros. Por minha produção em vários gêneros não tenho influências
facilmente identificáveis. Em arte, devemos ser sempre promíscuos.
Marco: Para finalizar, os leitores
da Revista Pluriverso gostariam de saber quais serão os próximos lançamentos e
os projetos para o futuro do escritor Miguel Sanches Neto.
Miguel: Sempre tenho romances me rondando. Estou preparado para continuar
escrevendo até os 100 anos, se a medicina achar uma solução para o Alzheimer.
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