Ademir Demarchi
Toda a obra poética de Wilmar Silva tem sido marcada por muitos
experimentalismos de linguagem, numa escrita que começou inspirada no sertão de
Minas Gerais, onde nasceu. Pardal de
rapina (Belo Horizonte: Orobó Edições, 1999) é um livro que, com forte
marca erótica, não é o mais experimental, mas registra sua originalidade no
senso de observação desse lugar que, sob seu olhar, passa longe daquele de
Guimarães Rosa remarcado pelo vocabulário rebuscado, o que aumenta o desafio
para o autor, que escreve com uma linguagem simples, mas elaborada, com forte
imagética.
Em outros livros – Cachaprego; Anu; e De z a zero -, ele alcançou marca bem mais forte de
experimentalismo, conforme se pode constatar em Cachaprego, que tem uma linguagem barroquizante que tematiza o
sertão mineiro, combinada com um ensaio fotográfico em que o autor posa como
fauno nesse sertão; em Anu o
experimentalismo da escrita se acirra, lembrando a visualidade concretista,
porém contaminada pelo viés barroco que a obscurece; em De z a zero ele alcança a extenuação da expressividade do logos na medida em que aparentemente já
não há mais o que dizer, passando ao uso de letras e números apresentados na
forma de sonetos; além disso, o livro se torna ele mesmo um objeto, ainda que o
que está expresso tenha também uso para a categoria de poesia sonora, numa
outra forma de experimentalismo, conforme ressalta Fernando Aguiar no posfácio,
forma essa bem explorada por Wilmar, inclusive registrada no CD NEONÃO.
A suspensão do sentido em Anu é imediata: não é poesia versificada, não há espaço entre as
palavras, elas, além disso, se engancham umas nas outras, formam terceiras, no
que lembra, como experiência de leitura, o Finnegans
Wake de Joyce, ainda que nada mais tenha de relação com ele. Se o primeiro
e o segundo “versos” – ou linhas, melhor dizendo, dada a diagramação do texto,
podem ser mais facilmente identificados como “rio mar no interior das graiz /
eu anu ave sou bicho na senda”, as seguintes mergulham o leitor em ainda maior
estranheza, na medida em que ele imediatamente percebe que, para entrar no
poema, sairá da zona de conforto de textos lógicos, conformes às regras.
Aquela primeira linha já anuncia uma palavra estranha,
“graiz”, possível arcaísmo de Gerais, que, embora faça referência ao Estado de
Minas Gerais, onde nasceu o autor, vai mais longe porque, sendo arcaísmo,
reforça o sentido de “local ermo”, que é, mais que o local afinal descrito no
poema, o local mesmo da poesia, o “rio mar” onde o “outro” poético, um anu, é o
sinônimo de um zôo de espécies que vão sendo relacionadas e se emaranham com
plantas nesse ermo de mata das Gerais.
É nesse sertão do
interior onde o autor passou a infância, agora um espaço mítico, um “cachaprego”,
que esse anu se metamorfoseia em vários seres e finalmente se sintetiza em fauno
erotizado, mítico-poético, o amálgama mesmo de todos os seres do sertão e suas imagens
que se fundem num só corpo que tenta achegar-se à terra, à natureza, aos bichos,
e a um eu poético que reverbera “onde abelha sou todo eu mel”.
A edição de Anu feita pelo selo Sereia Ca(n)tadora
[Silva, Wilmar. Anu. Santos: Sereia Ca(n)tadora, 2012] foi a 8.ª e comemorou os 10 anos desse poema, publicado
em 12/8/2001 por Anelito de Oliveira (Orobó Edições, Belo
Horizonte). Outras edições se seguiram: 2008, Anome Livros, Belo
Horizonte; 2009, Confraria do Vento, Rio de Janeiro; 2009, Cosmorama edições,
Portugal, no livro Yguarani; 2010,
Anome Livros, no livro Silvaredo Em
fevereiro de 2012 foi publicado pela cartonera Yerba Mala, na Bolívia e pela
Eloísa Cartonera, na Argentina.
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