Cidade Aberta. Julius, de Flaneur
a psicólogo
Cidade Aberta, livro do nigeriano
erradicado nos Estados Unidos Teju Cole, foi lançado em 2011 e é o seu segundo
livro. O romance conta a história de Julius, nigeriano, de família alemã e de
nome latino, psicólogo em
Nova Iorque , na casa dos trinta anos e que vive sozinho. A
personagem adora fazer seus passeios a pé, e o fazendo, consegue fazer um belo
retrato literário das imagens da cidade, lembrando inclusive o flaneur de Cesário Verde. Porém, ao
passar das linhas e das páginas, a excessiva descrição da cidade e de fatos
gratuitos se torna repetitivo.
Contudo, nos momentos em que a personagem alça vôos maiores, contando, a
partir de certa imagem, um acontecimento traçando a história da cidade de Nova
York, aí sim o romance fica mais interessante e a leitura flui. Mas quando a
personagem se limita ser um simples flaneur, que em suas andanças conta tudo o
que vê exatamente como está o romance cai vertiginosamente em qualidade e se
torna em alguns momentos entediante.
O puro relato é pouca literatura. Como
dizia Adorno, o romance tem que ir a campos onde o relato não se encontra. A
literatura que acaba caindo apenas no relato é “ensaio para literatura” e não
verdadeira literatura. Com todo o respeito aos jornalistas, literatura não é
para estampar capa de jornal dizendo que esse matou aquele, conheceu aquele e
se casou com aquela outra.
Pouco
depois, eu estava na West Side Highway. Era o único pedestre no cruzamento. As
lanternas traseiras dos carros eram seguidas de perto por seus reflexos
vermelhos rumo às pontes de saída da ilha, e à direita havia uma passarela de
pedestres ligando não um edifício ao outro, mas sim ao térreo. E de novo o
espaço vazio, que era, eu agora via e admitia, o óbvio: as ruínas do World
Trade Center. O lugar tinha se transformado numa metonímia de sua catástrofe:
lembrei-me de um turista que certa vez me perguntou como poderia chegar ao Onze
de Setembro: não ao local dos acontecimentos do Onze de Setembro, mas ao Onze
de Setembro propriamente dito, a data petrificada em pedras talhadas. Cheguei
mais perto. O local estava cercado por madeiras e correntes de ferro, mas, a
não ser por isso, nada mais dava sinal de sua importância. Do outro lado da
avenida havia uma tranquila rua residencial, chamada South End, em cuja esquina
havia um restaurante. Tinha um letreiro em neon (recordo o neon, mas esqueci o
nome do restaurante) e, quando espiei lá dentro através das portas de vidro, vi
que estava quase vazio. Os poucos freguês, ao que parecia, eram todos homens e
a maioria estava sozinha.
O narrador, personagem principal é verborrágico, mas em suas relações
pessoais é praticamente mudo. Ele escuta, registra as histórias e imagens e,
tal como um psicólogo, sua profissão inclusive, serve como uma via de
desabafado para os imigrantes que foram para os Estados Unidos.
Nem um árabe pacifista leitor de Walter Benjamin e Karl Marx não consegue
salvar o romance do tédio. A viagem até Bruxelas é praticamente gratuita, a não
ser por diálogo realmente interessante e o embate entre imperialismo americano
e radicalismo islâmico, onde se consegue analisar e entender os dois lados com
um pouco mais de neutralidade, sem a necessidade obrigatória de escolher um dos
lados. Dá para entender a razão do diálogo se passar na Bélgica e não nos
Estados Unidos ou no Oriente, onde os árabes provavelmente teriam uma opinião
muito mais radical do confronto. Assim, a Europa parece está geograficamente no
meio do caminho, e, ao menos, aparentemente, ser um terreno um pouco mais
neutro para a discussão daquelas personagens. O problema é que para fazer o
embate na Europa e tornar a viagem mais verossímil e não gratuita, feita
somente no intuito do próprio debate, Cole se estende demasiadamente.
Nos momentos em que ele escuta outras pessoas que contam suas histórias
de como e porque foram para o país, a narrativa começa a ficar um pouco
interessante e sair da mesmice de seus passeios pela ilha de Manhattan, de um
sujeito calado socialmente, verborrágico em seu texto, mas que no muito nunca
tem muito a dizer. Julius parece se tornar pedante nas mãos de Cole.
Não
era o primeiro apagamento praticado no local do desastre. Antes de as torres
desaparecerem, tinha existido uma frenética rede de ruazinhas que cruzavam esta
parte da cidade. Robinson Street, College Place: tudo isso tinha sido apagado
nos anos da década de 1960 para dar lugar aos prédios do World Trace Center e
tudo isso agora estava esquecido. Também se foram o antigo Washington Market,
os embarcadouros ativos, as mulheres desbocadas, o enclave de cristãos sírios
que se estabeleceu aqui no final do século XIX. Os sírios, os libaneses e
outros povos do Oriente foram empurrados para o outro lado do rio, para o
Brooklyn, onde lançaram raízes na Atlantic Avenue e em Brooklyn Heights.
E antes disso? Que trilhas da tribo lenape jazem enterradas
sob os escombros? O local da catástrofe era um palimpsesto, como era toda a
cidade, escrita, apagada, reescrita [...] Queria descobrir a linha que me
ligava a minha própria parte naquelas histórias.
Um romance de certa forma ingênuo e desinteressante – isso para não dizer
longo, o que o narrador fez em mais de trezentas páginas poderia ter sido
realizado em pouco mais de cem – tanto no trabalho lingüístico, que é
estandardizado, quanto no nível da diegese. Julius, por várias vezes, quer
mostrar uma erudição que irrita. Não parece natural da personagem, parece
gratuito, é quase um “olhem, leitores, o quando o meu personagem é inteligente
e culto”. Tendo um psicólogo como protagonista, Cole perde a chance de escrever
um grande romance analista da sociedade contemporânea.
Em se tratando de uma narrativa linear, o mínimo que se espera é um fim
nos moldes que ele propôs todo o texto. O livro termina como se o autor
simplesmente resolvesse desistir de escrever enquanto a protagonista explicava
fatos da história da Estátua da Liberdade e os pombos que eram frequentemente
encontrados mortos lá. Mesmo que fosse um final em aberto, seria necessário
maior zelo com as últimas linhas.
Peguei
o metrô na rua 110. Saltei na Catorze e peguei um atalho para o East Side,
percorrei a Bowery inteira, sem ter em mente nenhum destino específico, passei
pelas inúmeras lojas que vendiam luminárias e material para restaurantes, lojas
que, vistas de fora, pareciam aviários exóticos. Acabei chegando a uma praça
movimentada na East Broadway. Ficava a uma pequena caminhada da parte mais
turística de Chinatown, mas me pareceu ficar à distância de um mundo, pois não
se via nenhum turista onde eu estava e, a rigor, quase ninguém que não fosse
originário do leste da Ásia. Os letreiros das lojas e dos restaurantes e os
cartazes estavam escritos com caracteres chineses e só de vez em quando vinham
acompanhados em traduções para o inglês.


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