O Agradável Desconforto de se ler Pedro
Páramo
Luigi
Ricciardi
A fragmentação das narrativas, tão afamada nas décadas que fecharam o
século passado, já se fazia natural no romance de Rulfo na metade do século XX;
e seu flerte com a literatura fantástica lhe deu célebres filhos, tal Gabriel
García Márquez. Escreveu, além do romance Pedro
Páramo, somente o livro de contos O
Planalto em Chamas, e foi dedicar-se a outras atividades. Sim, a literatura
mexicana tem também seu Raduan Nassar.
Aclamado nos países hispânicos,
sobretudo no México, sua pátria, Juan Rulfo ainda é, no Brasil, timidamente
lido pelos amantes de literatura e praticamente ignorado pelos estudos
acadêmicos (vendo de perto algumas linhas de pesquisa atuais, isso até pode
soar com certo alívio). Seus livros apresentam uma ruptura com tempo/espaço
jogando o leitor em um vórtice e em uma vertigem alucinantes. Nada é fixo em Pedro Páramo, romance escrito em meados
dos anos 1950, que se torna um romance confortavelmente desconfortável. Mas são
assim os grandes livros, obra de arte não deve ser só entretenimento. O leitor
quase não tem um campo reconhecível. Precisa tatear com cuidado e mesmo assim
cai em buracos sem fundo.
Pouco entendemos o espaço,
tampouco o tempo. A maior parte do romance Pedro
Páramo se passa em um pequeno vilarejo chamado Comala, situado no interior
de Jalisco, no México. É para este vilarejo que o narrador/personagem Juan
Preciado parte no início da narrativa, para satisfazer um desejo de sua mãe,
que pediu em seu leito de morte que o filho fosse à Comala à procura de seu
pai, Pedro Páramo, a fim de cobrar-lhe a herança. Em sua jornada, Juan Preciado
encontra uma Comala morta, onde conhece amigos e conhecidos de sua mãe. Através
das personagens é que conhecemos a história da cidade: eles contam em flash backs os episódios que marcaram a
história de Comala. Por meio destes depoimentos e relatos é que conhecemos Pedro
Páramo, um homem de posses que impunha suas leis ao povo da cidade. Ao longo da
narrativa ficamos sabendo que Comala fora um dia uma cidade próspera, mas que
sucumbiu diante da indiferença de seu “dono” Pedro Páramo, que após a morte de
um de seus filhos deseja que Comala também morra.
A linha que separa vivos e mortos no romance é muito tênue e
constantemente temos a impressão de não saber se estamos lidando com uma
personagem morta ou viva, o próprio narrador se põe a mesma pergunta, em dado
momento da narrativa. Porém, aqui a morte não é o fim da existência/consciência
e nem mesmo determina a separação das pessoas em universos distintos. Ao
morrer, o indivíduo descobre que ainda pode pensar e interagir com o mundo. Sem
dúvida, tal contexto não pode ser tratado como natural pelo leitor. A ideia de
uma manutenção de corpo/pensamento/consciência na pós-vida dentro do mesmo plano
dos vivos é um fato que rompe com as leis tais quais conhecemos. Ora, as
religiões acreditam em vida pós-morte, contudo, esta vida se passaria em outro
plano. Em Pedro Páramo não há divisão
tangível entre vida e pós-vida.
Seria isso um bem ou cavalo de tróia? O leitor que tire suas próprias
conclusões durante a leitura. Justamente esse desconforto perante as leis
naturais e à estrutura narrativa é que torna o romance original e agradável. É
um novo caminho a ser explorado, onde primeira e terceira pessoas se revezam na
narração. Se o livro, que conta com pouco mais de cem páginas na última edição
brasileira em versão de bolso, já causa impacto, imagine se tivesse as quase
mil páginas da primeira escrita do autor, que ao longo dos anos foi enxugando
sua verborragia e dando mais concisão ao seu romance. Mas não falemos de
impossibilidades. De qualquer maneira, ler Pedro
Páramo é explorar os limites da percepção e transpor as paredes literárias
conhecidas.


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