Migalhas Românticas
Luigi Ricciardi
Não
me pergunte essas coisas
Porque
não sou dicionário
Descuido-me
dessas competências
Ando
perdendo pedaços no caminho
E
recolhendo outros
Onde
meus passos se desencontram
De
modo que esse rótulo é efêmero
E
só sei falar de mim no segundo
No
tempo mal contado
Mas
não perca o passar
Continue
falando
E
observe como tudo é calculado
Foi
naquela lixeira
Logo
após a curva
Que
eu perdi quem eu fui
Olhe
aos avessos
Pra
ver se você se reconhece
Mas
me fale de você
O
que foi que viu?
Concluiu
algo nisso tudo?
Quanto
a mim
Nos
últimos séculos
Só
tenho dor de dente
Mas
me fale alguma coisa nova
Eu
já li os teus poemas
São
tão ruins quanto os meus
Se
for pra falar de poemas
Vamos
transar
Que
dá no mesmo
Não
concorda?
Às
vezes penso ser o único
Que
acha literatura e sexo
A
mesma coisa
Mas
isso depende
Depende
se eu bebi muito
E
eu nunca sei medir isso
Mas
eu me lembro que você disse
Que
tinha lido os beatniks
E
a galera da poesia marginal
E
que não gostou de nenhum deles
Vai
ver que você é parnasiana
E
ainda não entendeu aqueles caras
Ou
escolhe os errados pra ler
Até
porque hoje é fácil escrever
Ser
Cult e falar palavrões
Criar
títulos que são frases sem nexo
Ser
marginal agora é centro
E
quem não é nem uma coisa nem outra
Vive
suspenso, como se não existisse
Mas
subir no monte Parnaso
No
século XX é tomar várias doses
De
bebida estragada
Mas
me diga verdades augustas
E
responda minhas perguntas
Há
algum céu que nos aceite?
Vamos,
diga algo
Não,
na verdade não diga nada
Pois
você nem existe
E
eu só falo com você
Pressupondo
interlocutor
Sendo
então ato de fala
Monólogo
dialogizado
Puxa,
lá vou eu de novo com teorias
Sou
eu sempre revisitando portas
Mas
a que vai para meu peito é fechada
Já
viajei estratosferas
No
entanto, nunca estive em mim
Veja
esse meu quintal
Onde
havia canteiro de cebolas
Hoje
há estante de livros
O
viveiro agora dá lugar
A
um guardarroupa mofado
E
a mangueira,
Que
protegia do sol enluarado,
Dá
lugar uma cama quente
Que
não me esquenta
Nem
no inverno
Das
jornadas tropicais
O
mundo nunca é igual
E
somos ingratos!
No
fundo, preciso desarmar o ego
Só
na entrega é que há poetas?
Tenho
algumas décadas
E
tomo oito comprimidos por dia
Meticulosamente
me diga
Onde
erro mais?
No
vacilo da questão mal posta?
Na
dúvida da afirmação retificada?
Ou
no vão da tua bunda?
Quando
eu morrer, escreva na lápide:
“Não
o louvaram enquanto assinava
Alguns
poemas sobre a vida
Andando,
tomou sopa fria
E
vendeu dois exemplares
Hoje
perdidos em gavetas”
Mas
hoje a coisa será diferente
Hoje
acordei Bob Dylan
Feito
pedra rolando
Hoje
serei meio Leminski
Não
tirarei o meu bigode
Vou
te chamar pra viver comigo
E
ver se a gente descobre algo
Não
sei muito das coisas
Mas
vou tentando
Mas
essa utopia passa
E
o mesmo mesmo
Me
reinclui nas normalidades
O
que você pensa sobre o fracasso?
O
que é ser fracassado?
Você
é fracassada?
Ah,
deixa pra lá, não responda
Eu
já me entendi
Eu
já te entendi, sujeito inexistente
Sujeito
existentemente precisado
Sujeitinha
ardente
Eu
entendo você
Você
acha que a vida dói
Dói
de uma dor de não se suportar
É
por isso que você se veste assim
É
por isso que você dá pra mim
Pra
ver se morre mais rápido
Pra
ver se essa respiração cessa
E
logo você se dizendo esperançada
No
fundo você tem esperança
Morrer
é a luz no fim do túnel
Credo,
como você é romântica!
Desenhe
a linha
Vamos,
pegue esse giz
Desenhe
a linha da loucura
Balance
as nádegas
Descole
tuas tatuagens
Você
tem que se desnudar
Amputar
um braço
Arrancar
um dente
Desengessar
a perna
Cortar
o bico do seio
E
me dar banho de sangue
Escreva
nosso nome no muro
E
depois o derrube com um sopro
Faça
o que quiser
Pra
que se explicar?
Mas
continue andando comigo
Até
esse dia chegar
Atravesse
aquela rua
Vamos
evitar aquele parque
Vamos
àquele beco
E
me jogue naquela poça
Ali
sou verdadeiramente eu
E
me recolha cheio de mim
Para
me perder na primeira brisa
E
nessa tensão queimaremos
Como
blocos de gelo em solo africano
Será
que existe Canaã?
Réjouir
c’est à la mort ou à la vie ?
Verta
sangue nas minhas têmporas
Talvez
eu entenda Augusto dos Anjos
Marque
dia e hora
Assim
vou saber quando renasci
Vou
atear fogo aos livros
E
você desconstruindo esse teu corpo
Eu
tirando a bolsa de olheira
E
você se masturbando na minha frente
E
o sibilante universo
Deixando
as coisas acontecerem
Como
elas quiserem
Porque
ele tem mais o que fazer
Ser
universo dá trabalho
É
preciso conversar sempre com Deus
Seu
interlocutor inexistente
Vamos
ser chacais um do outro
Só
não me decepe
E
eu prometo não te amar
Bem,
não posso prometer tudo
Meu
cálice de niilismo diário
Ainda
é dosagem pequena
O
médico não aumentou receita
A
falta do medicamento
Traz
efeitos colaterais
Tal
criação de mundo na palma da mão
Coisinhas
de casais
Comprar
flores e bilhetes de cinema
Mesmo
aos pedaços
Ainda
construímos torres
Eu
já deveria ter parado com a cerveja
É
ela que faz literatura
E
atrapalha meu niilismo
Acabo
ficando pirocudo
E
te chamo pra dançar
Boleramos,
beatnikamos.
Na
aspereza dos botecos pobres
E
te chamo de Tristessa
Aquele
amor impossível
Meio
spleen século dezenove
Mas
não me faça perguntas bobas
Não
sei se vou te amar
Até
dobrar a esquina
De
fato, não sei se vou te amar
Por
toda a minha vida
Não
sei se vou te amar
Mas
cá estamos e isso basta
Mas
nem disso tenho certeza
E
ter certeza é tão fácil
Crer
é tão básico e inerente
E
eu vivo a duvidar
Da
certeza e da dúvida
Da
sanidade e da loucura
Do
prazer e do sofrimento
Das
tuas pernas quentes
Mas
me diga
Como
viemos parar aqui?
Levante
esse lençol
E
me prepare um café
Eu
vou andar
Quero
que me siga
Só
não me perguntes
Coisas
tristes e alegres
Pois
disso sei pouco
Só
não me perguntes
Nada
muito preciso
Pois
não entendo de nada disso
Porque
não sou dicionário
Descuido-me
dessas competências


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